Se recuasse 6 anos no tempo nunca poderia imaginar tudo o que se iria seguir. O rumo que a minha vida levou foi tão diferente de tudo o que algum dia tinha imaginado. E ainda bem que assim foi. Desde que me conheço que sou apaixonado por futebol mas, infelizmente, só pude federar-me como atleta aos 16 anos, altura em que ingressei num clube amador de futebol. Com uma entrada em cena tão tardia sabia que não teria qualquer possibilidade de fazer uma carreira como jogador profissional. Mas a tal paixão nunca serenou, nem com a entrada na faculdade de Direito, crente de que seguiria para registos e notariado, nem com a troca, alguns anos depois, para Ciências da Educação.
Ainda estava em direito quando o desencanto académico me levou a fazer um curso de treinador de futebol. Queria encontrar uma equipa local que me desse a oportunidade de treinar crianças ou jovens e de ganhar algum dinheiro para ajudar a custear os estudos, mantendo-me perto do meu hobby. Não demorou até que o telefone tocasse com um convite para treinar a equipa de sub-19 do SC Ribeirense, clube onde tinha feito a minha formação enquanto jogador. Estava longe de imaginar que um convite para ir treinar os miúdos no clube da aldeia vizinha seria apenas o começo de uma longa aventura.
Assumi o clube durante os 3 meses que restavam dessa temporada e as coisas correram manifestamente bem. Contudo, finda a temporada o clube entrou numa crise diretiva e estava destinado a fechar portas. Sabem quando nos sentimos tão envolvidos num projeto e queremos tanto que resulte que não importa os sacrifícios que tenhamos que fazer? Pois bem, perante o vazio diretivo que se verificava e não existindo qualquer candidato às eleições do clube, acabei por cometer a “loucura" de me candidatar à Presidência. Tinha 21 anos de idade, zero experiência e tornei-me num dos mais novos presidentes de um clube de futebol em Portugal.
Ao longo dos 6 anos em que fui Presidente (sim, ia ser só uma temporada), trabalhei sempre no clube num regime pro-bono, o que me levava a ter que procurar fontes de rendimento nas (poucas) horas vagas. Fui ao mesmo tempo presidente e treinador do SC Ribeirense, treinador na Secção de Futebol da Associação Académica de Coimbra, comercial da Unibanco e estudante universitário. Apesar de todo o trabalho, os rendimentos mal chegavam e tinha consciência que em algumas destas ocupações não conseguia dar 100%. Andava esgotado e não previa qualquer bonança futura.
Acontece que a temporada de 2014-2015 viria a tornar-se numa das melhores da história do clube que dirigia e isso levou à aproximação de muita gente à volta do clube. Um dia, no final de uma sessão de treino, um outro treinador do clube entrou efusivamente pelo balneário, precisava de falar comigo com urgência. Fui surpreendido com uma sondagem de um empresário de futebol sobre a possibilidade de assumir um projeto de alto rendimento na Coreia do Sul. Ri-me desmedidamente e ainda soltei um: “só se for já”, em completa descrença pela situação. Parecia bom demais para ser verdade, nunca tinha estado no meu horizonte sair de Portugal e, na verdade, nunca me tinha passado pela cabeça assumir uma carreira de treinador de futebol a tempo inteiro. O que é certo é que as sondagens passaram a reuniões e as reuniões a um acordo.
Junho de 2015 marcava a minha primeira aventura fora de Portugal. Uma decisão que foi tão simples e tão complexa ao mesmo tempo. Deixei tudo para trás: a licenciatura, o “meu” clube, a minha família, os meus amigos, a minha zona de conforto, e rumei ao desconhecido, levando comigo um desejo enorme de triunfar. Acredito que a vida é um ciclo de oportunidades e há algumas que só passam uma vez. Não podia não a agarrar e correr o risco de me lamentar o resto da vida. Pensava sempre nos meus pais, nem imagino como se terão sentido ao ver-me deixar direito, acumular trabalhos para poder ser presidente de um clube em regime pro-bono e agora a rumar ao outro lado do mundo.
A minha experiência na Coreia do Sul foi, sem dúvida, o maior desafio da minha vida. O país é lindíssimo, o projeto que me esperava era fascinante e fez-me muito feliz durante grande parte desta jornada. As histórias e aventuras que trouxe para contar foram imensas, devidamente balançadas por um igual número de momentos difíceis. A academia oferecia condições de trabalho absolutamente fantásticas, mas ficava sediada a três horas da capital Seoul, numa zona montanhosa e rural. Estávamos todos (Staff e atletas) num regime de internato que seguia regras extremistas. Não havia qualquer abertura para vida social, não só pela localização mas também por ser uma cultura focada no trabalho como o ponto central da vida. Em meio a uma mentalidade tão fechada, as barreiras linguísticas e culturais assumem um relevo colossal.
Acabei por me adaptar e vivi quase dois anos de uma experiência sem igual, com um trabalho que amei do início ao fim. Infelizmente,em 2017, os incumprimentos salariais e falsas promessas levaram-me a regressar a Portugal. Vivi meses de incerteza, sozinho e isolado do outro lado do mundo, sem um salário e sem garantias. Apesar do triste e imprevisível desfecho, hoje nada me tira o sorriso de orelha a orelha quando falo desta fantástica aventura. Só hoje percebo o quanto me moldou.
Nunca me tinha imaginado lá fora mas depois de ter saído a primeira vez, já não me imaginava cá dentro. Precisava de me continuar a testar noutros contextos. Apesar do regresso repentino, não perdi tempo e defini objetivos claros para o meu tempo em Portugal: aumentar a minha graduação de treinador, encontrar um clube para treinar num novo distrito do país, dar a conhecer o meu trabalho e encontrar oportunidades para emigrar novamente. Rumei ao distrito de Aveiro para orientar um dos melhores clubes da região centro do país, o Anadia FC e fui aluno do curso de treinadores UEFA B na AF Aveiro. Vivi, do ponto de vista competitivo, uma realidade extremamente desafiante e enriquecedora. Contudo, eu sabia que estava a prazo, e pese embora todo o esforço do clube para que eu continuasse, a Tailândia chamou por mim em Agosto de 2018.
Se a aventura na Coreia tinha sido um tiro no escuro, a da Tailândia não ia ser muito diferente. Apesar de já estar familiarizado com vários países Asiáticos, nunca tinha estado na Tailândia nem sabia ao certo o que esperar. Foi uma surpresa. Uma surpresa tão boa que já conta com quase 2 anos e meio de aventura. Um país que tem um pouco de tudo, tão característico e caricato, sem dúvida um “must visit”. Do ponto de vista laboral, encontrei uma realidade bastante diferente daquilo a que estava habituado: passei de projetos de rendimento para projetos educativos, deixei de treinar adolescentes e passei a treinar crianças, deixei de treinar com foco na competição, para passar a treinar com foco no ensino. Ainda assim, foi uma aposta ganha. Cheguei como treinador mas não demorei a acumular o cargo de Diretor Técnico da "Can You Kick It Soccer Academy". Hoje em dia sou também Chefe do Departamento de Futebol do Wellington College - International School of Bangkok. Encontrei uma qualidade de vida que nunca tinha tido, um local onde me sinto valorizado e onde vejo que o trabalho que desenvolvo é verdadeiramente apreciado. Diria que vivenciar a conjugação destes elementos diariamente é um cenário idílico.
Estarei sempre grato a tudo o que o futebol me deu, sem me esquecer do meu percurso. Se hoje cheguei ao patamar a que cheguei deve-se a muito esforço e sacrifício. Ainda não me chega: sou inacabado, ambicioso, exijo sempre mais de mim mesmo e acho que o que consegui hoje, por muito bom que seja, vai ser insuficiente amanhã. Sei onde quero chegar, os objetivos que quero atingir e o caminho a seguir.
Nada cai do céu, não há histórias sem lutas. A bola está do nosso lado para ser jogada, para traçar o nosso caminho. A minha vai continuar a rolar e espero que crie uma bonita história para contar. Qual será a vossa?
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