
Tinha 9 anos quando me pediram para escrever uma composição sobre o que queria ser quando fosse grande. A maior parte dos meus colegas escreveram sobre como gostavam de ser médicos para salvar pessoas, ou bombeiros para apagar fogos, ou professores para ensinar o mundo…todos tinham uma profissão e defendiam-na com a maior motivação. Eu não. Eu escrevi uma composição com 20 profissões diferentes! Sim, 20… Quer dizer, se calhar estou a exagerar, mas eram mesmo muitas. E melhor! Resolvi explicar porque escolhia cada uma delas. Gostava de ser bailarina porque adorava a beleza de cada passo de ballet, gostava de ser astronauta para ir à Lua e fazer grandes descobertas, gostava de ser médica veterinária para salvar animais, e por aí fora. Acho que o melhor devia ter sido escolher ser atriz, sempre dava para experimentar isto tudo. Aos 14 anos tudo se fundiu numa ideia teimosa, firme e inabalável: quero ir para direito. E assim foi. Mas assim que comecei as dúvidas tomaram conta de mim.
Detestava o que estudava e aquilo que me fascinava no direito muitas vezes não encontrava no dia-a-dia: a tão aclamada justiça. Andei completamente perdida durante alguns anos do curso. Fiz testes psicotécnicos e procurei a ajuda de um psicólogo para me perceber melhor, acabei por ter direito (juíza) como primeiro resultado e decidi ficar, mesmo sem saber se era o que queria. Especializei-me em direitos humanos e a expectativa de que iria ser advogada estava em todos mas já não estava em mim. «E agora?» era a pergunta que consumia os meus dias enquanto via colegas entusiasmados com o ínicio das suas vidas profissionais. Sentia-me cada vez mais perdida e acima de tudo sentia que estava a desiludir todos à minha volta.

O problema maior de nos sentirmos sem rumo é que geralmente leva a uma grande dificuldade em ver qualquer rumo, até os que estão mesmo à nossa frente.
Desde pequenina que sempre fiz voluntariado. Está-me nas veias, acho que é de família esta “coisa” de querer ajudar tudo e todos. Sempre quis tornar este mundo um sítio melhor. Fiz voluntariado com crianças hospitalizadas, com doenças terminais, voluntariado com crianças em tempos livres, voluntariado com crianças de Rabo de Peixe, uma das vilas mais pobres da europa, com crianças em contexto institucional, entre outros. Entretanto, sempre acreditei que nada nos faz crescer nem nada nos torna mais tolerantes e sensíveis aos problemas alheios do que abrir as portas ao nosso mundo. Vemos a vida de perspetivas diferentes e isso ensina-nos que aquilo que achamos certo ou garantido, nem sempre o é.
A minha curiosidade e vontade de conhecer outras realidades levou-me a viajar por este mundo fora, de mochila às costas, e a visitar locais como o Brasil, São Tomé, Cabo Verde, Marrocos, Tunísia, Israel e Palestina, de onde é impossível sair sem que o sentido de justiça e os horizontes sejam alargados.

Finalmente deu-se o click – porque não trabalhar com estas causas profissionalmente e não só como voluntária? E foi assim que tudo começou.
Consegui o meu primeiro emprego na área dos direitos humanos como recrutadora no projeto Face to Face da Amnistia Internacional. Pouco depois comecei a fazer voluntariado no grupo local de Coimbra e acabei por ser promovida a coordenadora do mesmo. Mais tarde mudei de ares e aventurei-me a um estágio na embaixada de Portugal em Viena. Trabalhei na parte multilateral, na missão de Portugal junto da OSCE, com foco na área dos direitos humanos. Gostei.

Quando voltei fui incentivada candidatar-me à direção nacional Amnistia Internacional e acredito que os longos prévios anos a trabalhar na organização (tanto enquanto voluntária como enquanto profissional) contribuíram para que fosse eleita.
Ao mesmo tempo candidatei-me a Coordenadora de um projeto de angariação de fundos das Aldeias de Crianças SOS. Passei por todas as fases de entrevista e fui selecionada. Tinha 3 meses para provar que o projeto funcionava. Funcionou.
Em pouco mais de 3 anos, depois de muitas aprendizagens, crescimento e trabalho, passei de membro da direção a presidente da Amnistia Internacional Portugal. E com a equipa de angariação de fundos das Aldeias de Crianças SOS conseguimos passar de 300.000 euros anuais para mais de 1 milhão.

Hoje sou diretora do Departamento de Marketing e Angariação de Fundos das Aldeias de Crianças SOS, uma organização internacional que trabalha em 136 países, com 70 anos de história, nomeada 14 vezes ao Prémio Nobel da Paz e que faz a diferença na vida de milhões de crianças e jovens no mundo. Às vezes nem acredito neste percurso e nem acredito que sou uma das sortudas que trabalha naquilo que realmente gosta, com uma equipa incrível e rodeada de pessoas inspiradoras.

Trabalhar em direitos humanos não é fácil e é um caminho muitas vezes perigoso. Muitas vezes oiço dizer que tive sorte. Outras vezes sinto o preconceito por ser mulher e por ter ocupado cargos de liderança muito nova. Isso só me dá mais força. Acredito que a vida nos pode trazer coisas boas se lutarmos muito por isso, se trabalharmos muito, se acreditamos com toda a nossa alma que somos capazes.
Os culpados destas crenças são os meus pais. Sim, vocês! No caso de estarem a ler isto. Defendo com unhas e dentes aquilo em que acredito porque o meu pai me educou assim. E acredito que tudo é possível na vida porque a minha mãe assim me ensinou. Foram e são eles a maior inspiração na minha vida. São eles os culpados, em grande parte, de nunca ter desistido dos meus sonhos.
Se vou com medo? Vou. Mas vou na mesma. E essa é a diferença. Acreditar e ir. Porque na verdade, “nunca conheci um pessimista com sucesso!”.

Independentemente de me sentir realizada – que sinto, todos os dias – tenho muita paixão por muita coisa e não sei onde vou estar daqui a 5 anos, o que nos faz felizes pode ter uma receita diferente amanhã. Nada me impede de começar de novo, noutro caminho. Tenho muita vontade de fazer mais coisas na vida. Comecei agora a fazer um curso de teatro, sobre a técnica de Meisner. who knows! Talvez ainda me vejam a ser todas as tais coisas que escrevi aos 9 anos: astronauta, bailarina e veterinária ;)
Filipa Morais Santos, 32 anos, Lisboa
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