Sempre adorei o corpo humano e ciência e quando não entrei em Medicina mas sim em Bioquímica na Universidade de Coimbra, deixei-me ir... e que bem que assim foi tenho-vos a dizer! Durante o curso apaixonei-me pelo laboratório e perdi a vontade de mudar para Medicina. O conceito de pensar num assunto, planear, testar, experimentar, concluir... todo este processo me fascinou. E fascina-me. Estava claro que era ali o meu lugar. Não foi difícil para mim entender qual era a área que me deslumbrava...O cérebro!
No final do meu mestrado tomei uma decisão importante: sair do país para fazer um doutoramento fora. Fui para Manchester com a ideia de que iria ter uma carreira lá fora e dificilmente iria voltar. De facto o cenário com que me deparei fez-me sempre ter isso muito presente. O financiamento científico em Inglaterra era enorme, tanto a nível público como privado, o Instituto para qual fui apesar de associado à Universidade era super moderno, com todo o tipo de condições necessárias e equipamentos topo de gama e senti que, de facto, o trabalho e o papel do investigador era valorizado como um trabalho digno e não precário, como, infelizmente, ainda o é em Portugal. Fora isso, tive o prazer de ir para um grupo de investigação dinâmico e super boa onda, que me fazia sentir em casa e sempre bem disposta, juntamente com uns chefes que nos faziam sentir seus peers, a quem devo bastante por me terem ajudado a ser a cientista que sou hoje.
Contudo o passar do tempo fez-me mudar de atitude e pensamento em relação a esta vida fora de Portugal. Estranho na verdade, se tudo foi e era tão bom. Mas penso que esta ideia que temos de que lá fora é sempre melhor foi-se desmaterializando. Sim, de facto, as condições eram magníficas, as oportunidades imensas... mas também sentia, para onde quer que fosse, que a minha formação era tão boa quanto a dos outros cientistas, senão melhor. Tinha algo português que era único: era destemida, tinha uma capacidade de adaptação e desenrasque que raramente via ao meu redor (algo que está no nosso sangue!) e, depois de alguns anos com as saudades do seio familiar e dos amigos decidi que iria arriscar e regressar a Portugal no final do meu Doutoramento. Chamem-me romântica, mas sentia que queria retribuir ao meu país esta aprendizagem e fazer acontecer em Portugal tudo o que vi e aprendi lá fora. Quando me ofereceram um contrato na Universidade de Manchester com óptimas condições, por incrível que pareça, não me custou nada agradecer e partir.
Não foi fácil voltar, sejamos honestos! Durante 4 meses andei a bater de porta em porta dos grandes institutos de Lisboa - depois de um que me tinha feito uma oferta ter voltado atrás por questões de funding. E aí ainda pensei: “Que fiz eu?”...Enviei CVs, emails, LinkedIns... até que de tanto me "expor" (penso/espero eu) alguém com quem nunca tinha falado envia-me um email a dizer que tinha ouvido falar de mim e que eu tinha todos os atributos que precisava para uma nova posição no seu laboratório! E assim encontrei o meu lugar. Fui convidada a ir a uma entrevista, conhecer o laboratório e o Instituto (o Instituto de Medicina Molecular - João Lobo Antunes, um dos melhores institutos do País) e saber do projecto. Foi amor à primeira vista. Sem eu saber bem como, tinha à minha frente a simbiose ideal entre as minhas capacidades (que faltavam ao laboratório) e o factor novidade e desafio.
Passados já 4 anos de regresso a Lisboa, sinto que já atingi vários objectivos na minha carreira, ganhei prémios (um deles a nível europeu, importantissimo e milionário!) e bolsas. Sinto-me realizada. E de cada vez que vou para fora em trabalho sei que fiz a escolha certa , o que me deixa orgulhosa. Nós temos condições boas em institutos de renome no nosso país e faz-se ciência de qualidade e competitiva. Sinto que quero continuar esta luta de ser uma das pessoas que ajuda a pôr Portugal no mapa da ciência de topo e caminho nesta ambição de criar, aqui, o meu próprio laboratório. Apesar de ainda nos faltarem uns passos para atingir a igualdade com outras profissões e deixarmos de ser meros bolseiros, o futuro, finalmente, parece promissor. Não sinto que me faltem condições para atingir os mesmo objectivos com que, há 6 anos atrás, sonhava. Por vezes, sinto que temos que seguir o que o nosso instinto diz e ir à luta, expormo-nos, determinados e incansáveis.
Se receberia melhor no UK ou num outro país da Europa? Se, por vezes, também me sinto desanimada com as condições precárias que a ciência ainda tem em Portugal? Sem dúvida, mas nunca segui esta área a pensar que iria ser rica ou por establidade (infelizmente), mas sim por paixão. Riqueza para mim é acordar todos os dias com uma felicidade louca de vir trabalhar, de continuar a manter ao longo destes anos este entusiasmo e dedicação pelo meu trabalho, de ser feliz no meu dia a dia, de sorrir todos os dias e de fazer o que adoro, que me motiva cada vez mais a lutar para seguir em frente. E claro, a juntar a tudo isto ainda tenho o meu sol Português, uma mesa recheada de amigos e boa cerveja, e o privilégio de ter a família por perto. Estas coisas o dinheiro não compra e isso é algo que só aprendemos com a vida. Por cá continuo: feliz e a puxar a nossa boa ciência em Portugal e a mostrar que, quando queremos, tudo é possível!
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