Cresci em Coimbra, a famosa cidade dos doutores, onde todo o ambiente Universitário e social facilmente condiciona um desejo de crescer para ser médico, engenheiro, economista. Em casa as influências que tinha não eram diferentes, mas o meu avô materno, também ele médico, era pescador por paixão e tinha uma relação tão próxima com a natureza como conheci poucas. Em miúdo, ir à pesca na barragem de Abrantes era o melhor momento do ano. No dia definido para a aventura, eu, que nunca gostei de acordar cedo, estava sempre mais que desperto antes das 5h da manhã. Apanhávamos e libertávamos animais, passávamos o dia nisto. Em casa mantinha um museu de bichos, guardados em frascos de alcool para os meus “estudos científicos”, para grande orgulho do meu avô e horror do resto da família. Aos 10 anos recebi a minha primeira espingarda de caça submarina, aos 12 anos fiz o meu baptismo de mergulho. Uma paixão destas não era muito compreendida em Coimbra, onde não há mar e pouco se explora o rio. O meu avô foi, sem qualquer sombra de dúvida, a maior influência para toda a minha carreira. Biologia Marinha foi uma escolha óbvia quando a altura chegou.
Troquei a cidade dos doutores por uma cidade de Pescadores, Peniche, cidade que me acolheu por anos enquanto estudante e mais tarde professor e investigador. Passava dentro de água todo o tempo que conseguia, fiz mergulho, virei patrão local e fui nadador salvador. Tentei distrair-me da teoria da faculdade e principalmente da matemática, que até hoje me dá pesadelos – ainda acordo a pensar que deixei matemática por fazer. Quando, durante o curso, surgiu a oportunidade de uma experiência de trabalho no Brasil, não pensei duas vezes em interromper os estudos e ir. Era um projeto de avaliação de recifes de coral e do impacto do turismo e nunca nada tinha feito tanto sentido. O projeto era incrível, as pessoas tinham exatamente a mesma paixão que eu. Percebi as metodologias de trabalho, tive contacto com o meio científico, com a fotografia subaquática e com este explorar da ligação entre nós e o mundo marinho. Deu-me uma motivação infindável para acabar o curso, que estava muito em falta antes de me ter lançado a esta experiência. Quando voltei fiz 15 cadeiras num ano e vi-me livre das matemáticas. Não percebo como tantos cursos começam e acabam sem experiências e contactos reais com o mundo de trabalho.
Quando voltei a Portugal vinha determinado a fazer a inventariação da fauna das Berlengas, a mostrar o que se protege nesta área protegida. Na altura, eu já era profissional de mergulho, tive o apoio de um professor fantástico que nos ajudou a conseguir fundos para suportar a investigação, a escola de Peniche emprestou a máquina fotográfica da escola para o trabalho, pedimos para usar a casa do vigilante da natureza nas ilhas e lá fomos. Ter puxado por este projeto abriu muitas portas na minha cabeça e na minha carreira. Fiz centenas de mergulhos, colecionei fotos de “cromos difíceis”, espécies raras e surgiu a oportunidade de lançar o meu primeiro livro, um guia de espécies submarinas das Berlengas.
Quando terminei a licenciatura e após uma enorme luta por um visto americano, segui para Boston por seis meses, para o Aquário de New England e daí para o Porto, para fazer a abertura do Sea Life. Nos primeiros seis meses nenhum dia era igual ao outro. Cheguei a andar de colete refletor e capacete, a estudar a canalização e a implementar os filtros para os aquários. Mas assim que o Aquário abriu, o trabalho tornou-se cada dia mais rotineiro e começou a sugar-me a alma. E a minha vida como um todo era tudo menos rotineira nessa altura. Trabalhava 10 dias seguidos para ter quatro folgas seguidas que usava para voltar a Peniche, mergulhar para a investigação e fazer a tese que tinha que acabar. Os dias de aquário pareciam cada vez mais cinzentos e a minha cabeça continuava na experiência que tinha tido no Brasil e na fotografia. É estranho como podemos sem querer dar por nós em situações profissionais que têm tão pouco a ver connosco. Foi durante este período estranho que tive a oportunidade de integrar pela primeira vez uma expedição às ilhas selvagens, parte integrante da Estrutura de Missão para Extensão da Plataforma Continental e a maior expedição portuguesa até à data. O trabalho era interessante, dinâmico, motivador. Conseguia aplicar todos os meus conhecimentos, incluindo a fotografia. Já estava a trabalhar no aquário quase há ano e meio e acho que não tinha percebido o quanto estava infeliz até ter parado. Voltei da expedição com a certeza absoluta de que não queria continuar e despedi-me assim que regressei, sem pensar duas vezes e sem ter nada em vista.
Mas tudo se resolve e, às vezes, mais depressa do que pensamos. Antes que eu pudesse pensar nos meus passos seguintes já estava a trabalhar com a Flying Sharks e a colaborar no maior transporte aéreo de animais alguma vez feito. Seguiram-se mais projetos para a Expansão da Plataforma e mais missões com a Flying Sharks e com ambos, mais oportunidades para fotografar. Passei a trabalhar para a Expansão da Plataforma numa função mais de gestão até que, em 2016, um convite irrecusável para trabalhar no Oceanário me levou de volta aos Aquários. Fui trabalhar como Assistente de Curador no aquário que tinha acabado de ser votado o melhor do mundo, num horário “de escritório” e num trabalho que me poderia abrir outras portas. Aproveitei a estabilidade para investir em equipamento de fotografia mais moderno. Por esta altura, já tinha lançado três livros e decidi começar a competir com profissionais de fotografia incríveis, com um leque vasto, o que permitiu olhar de frente para as minhas limitações na área, para tudo o que ainda tinha para aprender. Já lá iam 17 anos de estudos, pesquisa, trabalhos diversos na área e a fotografia lá continuava, como paixão e fiel companheira, sempre em segundo plano. Senti que era o momento certo, queria conseguir demonstrar por imagens e cores tudo o que temos a preservar.
Foi no ínicio deste ano que decidi dedicar-me por completo à fotografia de conservação. Voei para Moçambique e passei o verão nos Açores (onde não falta uma fauna digna de qualquer capa de revista). Ganhei alguns prémios em fotografia, nomeadamente um 1º lugar numa importante competição nacional, o que me levou a tornar-me colaborador da National Geographic Portugal. Ver as minhas fotos a passar mensagens tão significativas é dos trabalhos mais gratificantes que podia encontrar enquanto fotógrafo. As notícias mais fresquinhas são de que acabo de regressar à base, Peniche, para ser Coordenador de Co-Gestão da Área Reserva Natural das Berlengas, um trabalho que me diz muito pessoalmente e cuja flexibilidade geográfica e de horários me permite continuar a viver este sonho.
Ser freelancer não é fácil, e a área de fotografia não é diferente. O que faço hoje, e a forma como o faço e conjugo, é fruto de todas as experiências que tive, desde a investigação, ao trabalho em conservação. Sabia o que queria de forma abrangente desde sempre, embora não soubesse o que queria exatamente e como tal nunca me fixei numa função. Fui andando, de cabeça aberta a todas as oportunidades que surgiam. Experimentei tudo, tentei tudo e a vida encarregou-se de me mostrar o caminho. Se não tivesse feito tudo o que fiz, mais focado nas experiências do que nas funções, provavelmente não teria chegado a este momento tão pleno. Demorei, mas cá estou. Diria que o mais importante para descobrir onde ir é sem dúvida estar aberto às possibilidades e nunca parar de explorar.
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